terça-feira, 13 de setembro de 2011

Novos Povoadores



Sentei-me à sombra do negrilho. Uma brisa amaciava os efeitos do saborreiro naquele fim de dia de Agosto. Passava à minha frente alguém com um feixe de labrestos, milhã e uns ramos de sangrinheira. Para os coelhos, disse-me. Espero que não morram, que os outros levou-os todos o chamorro. E ainda tenho que apanhar umas leiturgas para os recos.
Do outro lado vinha alguém de enxada ao ombro, da redra das vinhas e outro de fazer a derrega para regar com a água da poça, que no mês passado se tinha posto à vez.
E pensei, ainda se hadem sementar batatas nas Talas e pão no Cabeço. Háde-se atar de novo o pão, acarrijar e malhar, ouvir o barulho dos chedeiros dos carros a passar nas ruas e alguém de longe a afoutar aos bois.
Isto, antes de chegar a hora de meter as batatas ao pote, no exacto momento em que a lança de sol bate no louceiro que marca o ponto e o virar da manhã.
Havemos de sebar de novo os porcos e esbarar na carambina de Janeiro quando à faca os quisermos levar e chamuscar com fachucos de palha que ficaram guardados de véspera. Mas antes, nesse mesmo dia, háde-se beber aguardente e comer figos secos e nozes. Aguardente essa que fizemos todos, à volta do pote, languidamente à espera que pela vara fosse escorrendo lentamente e ficasse temperada ao gosto de todos.
No bolso, o côdeo que acompanhará com o rijão e um sibinho de chisquete, no tempo em que colesterol era uma palavra que para ninguém dizia nada. E no fim, se o houver, uma golada de tinto, das uvas das almas e do sabiel, dos lados do souto das morgadas, onde toda a gente sabe que as bruxas se reúnem, há-de-se molhar a garganta.
E a canalha, a jogar à bilharda, às ferreiras e a fazer pinchas-carneiras, à espera do toque das trindades e da derindaina certa, se à hora do taxo não estiver em casa.
Ao fim do dia, de roda da lareira, joga-se ao rapa, ao par ou pernão e as mulheres dobam, fiam, torcem e fazem carpins que hadem vender nos Santos de Chaves, para onde irão descalças, com as socas na mão, as quais serão calçadas já no Lameirão. E na volta, com uns euritos nos bolsos irão pagar os cortes de chita e de terilene que compraram a crédito nas feiras passadas.
Estes serão os novos povoadores, os que fazem o percurso inverso dos antepassados…
E, acordei…Ufff, sonhei que estava a sonhar com a Troika. Ou não?

4 comentários:

anas disse...

Deus nos livre deste retrocesso, andas a sonhar muito.

trepadeira disse...

O retrato,sobretudo o do antigamente,está excelente.
O tempo não andará ao contrário.
Correr com as troikas e fazer um mundo melhor,de todos,produzindo,sem escravos.

Um abraço,
mário

Anónimo disse...

muito bom..:-)

mas "háde-se" e " hadem"?????????...não me parece lá muito bem...:-)

Verdiano disse...

Esse tempo já lá vai. Não voltará certamente. A labuta diária para assegurar o pão já não faz qualquer sentido. Somos então civilizados. Os coelhos, os recos, as galinhas...não se criam, compram-se. Alguem os cria, com subsidios, enganosos e fraudulentos. Nós compramo-los, nem que seja com dinheirito do rendimento social de inserção, ou outro esquema semelhante. Produzir? Nós? Para quê? Isso já foi tempo. Os Espanhois que produzam que nós compramos-lhes. O Passos que se mexa, que arranje mais uns empréstimos que nós por cá sem eles já não passamos.