segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Manuel António Araújo

Fica aqui uma entrevista ao meu professor de francês do 9º ano. De louvar a obra, o homem e já agora, o professor. É de facto duro ser transmontano.

Manuel António Araújo
«Sou triste por natureza e escrevo para me equilibrar»
É transmontano puro, mas, se não fosse, não lamentava. O professor e escritor Manuel António Araújo acredita que viver em Trás-os-Montes se paga muito caro em termos de reconhecimento e projecção.

À parte disso, em entrevista ao Transmontano de Gema, Manuel Araújo revelou que escreve para se equilibrar e garantiu que não é antipático e arrogante como muita gente o julga. É tímido. Só isso. No seu último romance, A Aldeia das Mulheres, diz que a personagem do padre Julião tem coisas dele.

Semanário TRANSMONTANO (ST): considera-se um transmontano de gema?

Manuel António Araújo (MAA): Sim. Eu sou natural de uma aldeia a 40 quilómetros de Chaves, que é Rebordelo, no concelho de Vinhais, mas estou em Chaves praticamente desde sempre.

ST: O facto de estar “atrás dos montes” tem impedido a sua projecção enquanto escritor?

MAA: A razão, para mim decisiva, de as pessoas não se projectarem e não serem reconhecidas é viverem aqui. Há vários exemplos de pessoas que tiveram de sair daqui para serem conhecidas. Viver em Trás-os-Montes custa muito em termos de projecção. Paga-se muito a interioridade.

ST: Sente isso na pele:

MAA: Eu sou um exemplo paradigmático. Escrevi uma obra que se chama a Emancipação da Literatura, que ganhou um prémio da Associação Portuguesa de Escritores, que é um prémio de prestígio, e, apesar disso, ninguém ma publicava se a Câmara não a patrocinasse. Na capa do livro vinha a indicação de que ganhei o prémio, a televisão publicitou-o. Na RTP, num programa chamado Câmara Clara, falaram que ganhei o prémio e ninguém me publicava a obra. Só a publicaram depois de a Câmara patrocinar. E depois foi publicada e ninguém a conhece porque estou em Trás-os-Montes. Se estivesse em Lisboa, o livro era claramente publicitado, andava nos corredores da literatura e era conhecido. Até acho que já esgotou e ninguém sabe dele.

ST: As suas raízes reflectem-se nas suas obras? A aldeia de Pousos de que fala no seu último romance é uma aldeia transmontana?

MAA: Não é uma aldeia específica, é formada por pedaços de aldeias onde vivi, Rebordelo e Lebução, identifica-se com ambas. Em Pousos há uma praça que existia em Lebução.

ST: Porquê o título: Aldeia das Mulheres?

MAA: Porque só vivem lá mulheres. Eu acho que as mulheres são muito mais interessantes e misteriosas do que os homens. À parte o aspecto sexual, a mulher é muito mais bonita. Eu sou capaz de ver um rosto masculino e achar que é bonito, mas o rosto feminino é muito mais bonito. A beleza da mulher tem muito mais mistério.

ST: Há personagens reais no livro?

MAA: Há uma personagem, que é a Rute, e que é uma personagem um bocado esotérica, que equivale a uma pessoa que havia lá na aldeia e que me impressionou quando era pequeno, também era misteriosa e tinha laivos de bruxaria. Tudo o resto é ficção, mas não é uma ficção pura. Há coisas de mim no padre Julião e há coisas de outros padres, e que resultaram de coisas que eu observei no seminário. Há uma mistura e uma construção.

ST: Seminário? Alguma vez quis ser padre?

MAA: Eu acho que devia ser um bom padre, talvez um bocado heterodoxo. Eu andei no seminário em Arouca. Estive lá dois anos, até aos 11. Lembro-me que, quando o meu pai me foi lá buscar para não regressar mais, eu jurei que ia voltar, depois não voltei. Mas foram os anos mais felizes da minha vida.

ST: Já escrevia nessa altura?

MAA: Não. Foi só depois, lá para os 13/14 anos que comecei a escrever pequenos poemas. Comecei um romance para aí aos 14 anos, mas escrevi para aí umas dez páginas…

ST: Está na gaveta?

MAA: Desapareceu.

ST: Quando pensou em ser escritor a sério?

MAA: Isso de ser escritor a sério em Portugal é uma coisa difícil. Fui escrevendo. Uma das razões porque escrevo é porque sou triste. Sou uma pessoa naturalmente triste e, portanto, as pessoas tristes têm uma incompatibilidade social. Não saem muito, não têm uma relação com a sociedade muito boa. Geralmente são pessoas tímidas. A escrita é um equilíbrio. Escrevo para me equilibrar.

ST: O facto de ser fechado e tímido, às vezes, é interpretado como arrogância, antipatia, mas isso é só fachada ou não?

MAA: Sim, é só fachada. Isso não é verdade.

ST: Como vê o fenómeno da escrita em Portugal e na região, na medida em que há cada vez mais pessoas a escrever?

MAA: Eu acho bem que as pessoas escrevam. A escrita é um bálsamo, é uma espécie de refúgio. Agora depende se se escreve por necessidade, porque, às vezes, há pessoas que escrevem por vaidade, mas essa é uma vaidade estéril, porque quem escreve por vaidade não tem talento e nunca vai…

ST: O que é que acha de haver pessoas conhecidas de outras áreas que escrevem e que acabam por ter sucesso?

MAA: A literatura não é espectáculo. A literatura não tem que ver com dinheiro, depois até pode ter, mas acho até que é anti-comercial. Acho que agora isso já não acontece, mas há algum tempo víamos livros nos centros comerciais ao lado das batatas. Acho que a literatura não tem nada a ver com isso.

ST: É professor… escrevem bem os seus alunos?

MAA: Tenho alguns que escrevem, mas com o tempo, o nível da escrita e da leitura está a degradar-se muito.

ST: Incentiva-os a ler?

MAA: Sim, de uma forma simples. Leio para eles. Sou professor de português e tenho obrigação de ler bem, e leio, e é uma forma de estarem atentos à leitura.

ST: Costuma dizer-se que quem não lê não sabe escrever…

MAA: É um bocado assim. José Saramago antes de escrever leu imenso. É preciso ler, embora também não seja só por se ler muito que se escreve bem. Tem de haver talento.

Há alguns escritores, julgo que com alguma falsa humildade, que dizem que escrever é só trabalho, mas para ser um bom escritor tem de se ter talento, embora também tenha de haver trabalho.

ST: Há algum escritor em que se reveja?

MAA: Gosto de Gabriel Garcia Marques, gosto sobretudo da sua literatura fantástica.

ST: Este é o seu melhor romance?

MAA: Dizem que é, não sei se é. Vamos ver! Há pessoas que gostam muito. Tive uma amiga que me mandou uma mensagem às três da manhã a dizer que era fantástico.

ST: O que gosta de fazer?

MAA: Gosto de ler, de escrever, se bem que eu não escrevo para me divertir, escrevo porque preciso, como há pessoas que precisam de ir à discoteca. Gosto de ver futebol, o Benfica, e vejo sempre, gosto de ouvir música. E acho que não gosto de mais nada. Ah, gosto de conduzir com chuva.

ST: Escreve com regularidade?

MAA: Quando estou a escrever um livro sim. O meu problema é que sou um bocado preguiçoso. Uma vez, o Lobo Antunes falou disso. Quando escrevemos estamos para aí, eu estou, uma hora, uma hora e meia, e aquilo que escrevo não é muito bom, risco, rasgo. Estamos ali, levantamo-nos, voltamo a sentar-nos e quando as coisas estão a ser boas, estou cansado. Muitas vezes, não tenho coragem de continuar e vou-me deitar. Quando chego ao momento em que a produção está a ser boa, vou--me embora. É por isso que eu acho que nunca chegarei a ser um bom escritor, porque eu tenho esse defeito. O Lobo Antunes não tem. Ele diz que quando começa a ser bom, ele vai por ali fora, mas eu não, canso-me e muitas vezes vou-me deitar. Estou ali a aguentar até a inspiração vir e quando ela chega vou-me embora. Eu rejeito muita coisa na vida e na literatura acontece-me um bocado isso.

ST: No prato, é transmontano?

MAA: Não como muito, mas gosto de comida transmontana. Gosto muito de uma comida que só como na casa do meu pai, que não há nos restaurantes, feijões e couves com orelha de porco.

ST: Faz questão de realçar que é transmontano. Sente orgulho nisso?

MAA: Não tenho orgulho absolutamente nenhum. Se fosse de outra região não lamentava nada. É uma coisa que para mim é neutra.

Há coisas boas que eu não tenho por estar em Trás-os-Montes, como o mar. Há gente com muito valor e isso prova-se, não é isso que está em causa. Perguntar-me-á porque não se vai embora? Porque não posso, trabalho aqui.

ST: Acha que as pessoas, no resto do país, ainda têm a ideia de que os transmontanos sãos uns coitadinhos?

MAA: Acho que a imagem não é muito positiva. Há pessoas que pensam que Chaves fica em Espanha, mas, quando cá vêm, acham isto muito bonito, e depois vão-se embora, e nós ficamos. E Chaves, de facto, é uma cidade bonita e seguramente com muito potencial para se desenvolver, mas gostava que Chaves fosse a cidade que era antes do 25 de Abril. As pessoas vão achar isto reaccionário, mas não é.

ST: O que é que faz falta a Chaves?

MAA: Devia ter uma universidade. Devia ter ensino superior com qualidade, não estou a dizer que o que há não tem, mas gostava de ver aqui outros cursos. Houve um momento para isso, mas acho que se perdeu quando se deixou, em termos de ensino superior, ir tudo para Vila Real. Isso marcou Chaves de forma irremediável.

ST:Como define um transmontano de gema?

MAA: Em primeiro de tudo, pela pronúncia. Depois pela franqueza. Os transmontanos são, ao mesmo tempo, francos e desconfiados. Isto pode parecer paradoxal, mas não é. São desconfiados à partida, mas quando conhecem são muito francos.

2 comentários:

trepadeira disse...

Também por isso são rijos e resistentes.

A escrita,para mim enquanto desabafo,também me equilibra.

Um abraço,
mário

svasconcelos disse...

Interessante, esta entrevista. Não conheço o autor, o que não me surpreende. Aliás ele retrata bem as causas do degredo de tantos e tão bons escritores à ribalta literária nacional. A literatura não escapa à feira de vaidades e de contactos sociais, e isso desvela-se em estantes nas livrarias pejadas de livros ditos "best sellers" que nem sempre dignificam a essência magnânime, bela e profunda da literatura.
Isto porque "há quem escreva por vaidade" sem ter como aliado o talento...
bjs,